segunda-feira, 3 de maio de 2010

A VIZINHA

Mora na casa ao pegado da casa dos meus pais - minha atual moradia. Trabalha lá há anos, e suas indisfarçáveis rugas me dizem que já passou dos cinquenta. Usa sempre umas minissaias com tops - deixando a barriguinha à mostra - e cabelos curtos pincelados de acaju desbotado. O patrão enviuvou, logo depois faleceu, e agora restam os filhos deste. Moram longe e só vem no Natal, trazendo muitas crianças barulhentas. No resto do ano reina na casa uma calmaria de claustro.
Ela não sai na rua nem pra comprar pão. As amigas se revezam na tarefa de suprir suas necessidades, bancadas pelo salário que ela recebe. Até onde sei, seu quarto comporta as coisas que ela mais precisa: um espelho grande, tv, som, tudo da melhor qualidade.
Com esse pequeno conforto e liberdade, a vizinha leva uma vidinha bem pacata, contrastando com a sua aparência e provavelmente com os seus desejos e sonhos sublimados. Chama-se Arnaldo.
A moça que trabalha na casa dos meus pais refere-se a ele como "a menina". Os dois se dão muito bem, trocam receitas e fofocas doces.
A menina é gente boa, simpática. Carrega um leve e permanente sorriso nos lábios. Quando passo na sua calçada, ela está invariavelmente com a cabeça pra fora do muro, sondando o outro lado. Eu a cumprimento, e ela retribui com um elogio, um gracejo.
Toda a vizinhança a trata com gentileza, apesar dos risinhos furtivos provocados pela figura tragicômica.
Mesmo com toda a tragédia humana, há momentos preciosos de graça, e que são gostosos de comentar. Este fato, por exemplo, é digno de nota.
Minha tia que mora no interior, irmã de minha mãe, está hospedada aqui em casa. As duas são bastante parecidas fisicamente. Ontem a minha tia estava no quintal, quando ela surgiu do outro lado e perguntou, supondo dirigir-se à minha mãe:
- Como vai a senhora, está bem?
Minha tia fez cara de interrogação, mas respondeu, educadamente:
- Tudo bem, e a senhora, tá boa?
Entrou em casa contando que falou com a tal senhora, com a inocência de uma cristã praticante: "Mas que senhora amável", dizia ela, encantada com os bons modos da gentil vizinha. Mesmo após os esclarecimentos (entre sorrisos incontidos), minha tia, na sua ingenuidade interiorana, duvidou e fez pouco da verdadeira identidade da doce pessoa que mora do outro lado do muro. Uma senhora excêntrica, só.

(São Luís, mar/2008)

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