sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O CADARÇO DA MANCA

Era uma obsessiva compulsiva. Muito obsessiva e muitíssimo compulsiva. Nenhum quadro torto na parede da casa de um amigo - ou mesmo de um estranho - escapava de suas mãos ávidas por simetria e ordem. Tapetes virados, chinelos emborcados, portas de armários abertas, nada, nada fora do lugar passava despercebido ao seu olhar mais que atento.
Numa tarde qualquer, andando (quase) distraidamente pela rua, olhou pro lado e avistou uma coisa que a incomodou muito: uma moça manca que caminhava ao seu lado estava com o cadarço do tênis esquerdo desamarrado. Por mais que ela tentasse, não conseguia desviar os olhos do pé da moça.
E elas continuavam caminhando, e a moça manca já estava ficando meio sem graça com aquele olhar vibrante sobre seu pé.
Após uns vinte minutos nesse lengalenga, a compulsiva não se conteve e ajoelhou-se aos pés da manca, implorando humildemente com um olhar de súplica:
- Por favor, deixe eu amarrar o cadarço do seu tênis, por favor??
A moça manca olhou para ela aterrorizada, mas como não podia sair correndo, achou prudente não contrariar a louca e permitiu que ela amarrasse seu cadarço. Depois saiu mancando, um pouco assustada, óbvio, enquanto a outra pensava, respirando aliviada: - Acho que agora está tudo certinho. Não, não, ainda tem alguma coisa fora do lugar. Peraí, moça!!!

(São Luís, ago/2009)


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